1 - Introdução
Em abril de 2014, foi publicado na Jusbrasil artigo intitulado "Natureza e regime jurídico do serviço de praticagem", em que concluímos no sentido da natureza pública da atividade.
Ocorre que, em julgados mais recentes, em que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recursos especiais, pronunciou a ilegalidade de decreto de fixação de preços máximos do serviço de praticagem, o voto do Relator de alguns desses acórdãos estendeu-se em considerações sobre matéria constitucional, concluindo que o serviço está submetido aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, qualificando-o, por isso, como serviço de natureza privada.
Por outro lado, em monografia apresentada em 2015, convertida em livro em 2017, com título equivalente ao nosso trabalho original, embora a autoria tenha entendido, sob os mesmos fundamentos, que o serviço de praticagem contempla os elementos material e o formal para sua qualificação como serviço público, dele divergiu, em parte, quanto à presença do elemento subjetivo, porque essa atividade não se enquadraria nas hipóteses de delegação previstas na Lei Maior e, ainda, como argumento subsidiário, porque a lei deixou de utilizar a palavra "delegação", ao atribuir a sua execução aos Práticos.
Diante disso, para proceder ao exame dessas posições na definição da natureza jurídica do serviço de praticagem, surgidas a posteriori, publicamos, em fevereiro de 2021, o artigo "Natureza e Regime Jurídico do Serviço de Praticagem II", em complemento ao aludido primeiro trabalho de 2014 sobre o tema ( https://www.jusbrasil.com.br/artigos/1191640170/naturezaeregime-jurídico-do-servico-de-praticagem-ii).
Esta nova publicação corresponde ao texto resultante da revisão de aspectos formais deste último artigo.
2 - Elementos característicos da natureza pública do serviço
A evolução da disciplina normativa relativa ao serviço de praticagem no período republicano demonstra que a União explorava diretamente o serviço, desde o Decreto nº 79, de 1889, até o Decreto nº 40.704/1956, que determinou a reunião dos Práticos em corporação (art. 7º, § 1º) [1].Modificação substancial foi introduzida pelo Decreto nº 119, de 6.11.1961, mantida com maior rigor na vigente Lei nº 9.537/97, que transferiu aos Práticos a responsabilidade pela gestão dos serviços, conferindo-lhes autonomia para decidirem sobre alguns aspectos administrativos, não mais subordinando a execução das atividades de praticagem aos Capitães dos Portos, como ocorria nos Regulamentos anteriores. Em razão dessas mudanças, o serviço de praticagem passou a ser exercido em caráter privado.
Diante dessa alteração no tocante à execução do serviço, algumas manifestações dirigiram-se no sentido de que as atividades pertinentes estariam submetidas aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência [2], dedução esta que confunde o conceito de titularidade com o de execução do serviço, nas hipóteses de delegação.
Em realidade, a natureza do serviço diz respeito à sua titularidade, ao passo que a delegação de sua execução se refere à gestão, que pode ser transferida ao setor privado, sem afetar a natureza pública da atividade. Como anota Raquel Dias da Silveira, o divisor de águas entre serviço público e serviço privado reside na pessoa que os titulariza, acrescentando que titularidade e execução ou gestão de determinada atividade estatal são conceitos jurídicos diversos [3].
A questão de saber se o serviço de praticagem constitui um serviço público deve ser examinada à luz dos seus elementos característicos: 1) o elemento material ou objetivo; 2) o elemento formal; e 3) o elemento subjetivo ou vínculo orgânico.
É patente o elemento material ou objetivo na caracterização do serviço de praticagem como serviço público, porque dirigido a garantir a segurança da navegação, em salvaguarda de direitos fundamentais da coletividade. É definido na Lei nº 9.537/97, como atividade essencial (art. 14, caput), de relevante interesse para proteção à vida, à segurança e ao patrimônio público ou privado, e para a preservação do meio ambiente, valores estes tutelados nos arts. 5º, caput e incisos, e 225 da Constituição Federal [4].
Dispõe a Lei nº 9.537/97, em seu art. 3º, que "cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desse diploma legal “com o propósito de assegurar a vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e nas hidrovias interiores, e a preservação da poluição ambiental por parte das embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio”. A segurança da navegação em áreas restritas, em salvaguarda da vida humana, em proteção ao patrimônio público e privado, inclusive em defesa do comércio exterior e, portanto à economia nacional, e na prevenção da poluição ambiental, constitui serviço essencial próprio do Estado [5].
O elemento formal concorre, em absoluta sintonia com o critério objetivo, para qualificar o serviço de praticagem como serviço público, submetido ao regime jurídico de direito público em todos os seus aspectos essenciais.
Como assinala Marçal Justen Filho, o serviço público será identificado pelo seu vínculo com os direitos fundamentais. E acrescenta:"A atividade de serviço público é subordinada ao regime de direito público como consequência de sua natureza funcional. Há um fim a ser atingido, o que exige a outorga dos meios necessários. O regime de direito público é o meio formal para assegurar a satisfação dos direitos fundamentais"[6].
A Lei nº 9.537/97 atribui à autoridade marítima competência para definir as Zonas de Praticagem e o número de Práticos de cada uma delas (art. 14, par. único, I). Os requisitos para inscrição de aquaviários como Práticos são estabelecidos pela autoridade marítima [7], após aprovação em exame e estágio de qualificação (art. 13, § 1º). Surgindo vaga de Prático, deve ser instaurado processo seletivo de Praticante de Prático, que é disciplinado em ato normativo do Diretor de Portos e Costas e realizado pela própria Diretoria de Portos e Costas. Os candidatos aprovados e classificados no processo seletivo devem realizar o estágio de qualificação, que constitui, em realidade, o curso de formação do Prático e cujo programa mínimo é definido pelo Capitão dos Portos da Zona de Praticagem correspondente.
Essa forma de recrutamento de profissionais da área não resulta de uma suposta e imaginária assimilação à regra constitucional de concurso público para provimento de cargos e empregos públicos ( CF/88, art. 37, II). Como observamos no trabalho de 2014, o processo seletivo é estabelecido em lei, em realidade, tendo em conta a alta qualificação exigida para o exercício da atividade, mas também como consectário indeclinável dos princípios constitucionais da igualdade, da impessoalidade, da eficiência e da moralidade, enumerados no art. 37, caput, da Constituição, de observância obrigatória pela Administração Pública, porque o serviço de praticagem, embora exercido em caráter privado, é desenganadamente um serviço público [8].
O citado diploma legal impõe a continuidade do serviço de praticagem, tendo em vista o caráter essencial da atividade. Estabelece o art. 14, caput, que o serviço deve estar permanentemente disponível nas Zonas de Praticagem. O art. 15 estatui que a prestação dos serviços é irrecusável, sob pena de suspensão do certificado de habilitação e, em caso de reincidência, de seu cancelamento. Esta última regra tem o sentido de garantir a continuidade da prestação do serviço de praticagem [9], indistintamente a todas as empresas de navegação.
Os Práticos estão sujeitos ao plano de manutenção da habilitação, que é elaborado pelo Capitão dos Portos de cada Zona de Praticagem [10], bem como à escala de rodízio, a ser apresentada ao Capitão dos Portos, para ratificação e controle, com vistas a garantir a disponibilidade permanente do serviço e a realização da frequência mínima de manobras estabelecida pelo Diretor de Portos e Costas, bem assim a preservar o profissional da fadiga [11].
A Lei nº 9.537/97 ainda confere à autoridade marítima a atribuição de especificar as embarcações dispensadas do serviço de praticagem (art. 4º, II) e ainda a de habilitar Comandantes de navios sob bandeira brasileira a conduzir a embarcação sob seu comando no interior da Zona de Praticagem (art. 13, § 4º).
Quanto ao preço do serviço de praticagem, o art. 14, II, desse diploma legal, estabelece que a autoridade marítima, para assegurar a disponibilidade permanente do serviço. poderá" fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem ". Regulamentando essa regra, o Decreto nº 2.596, de 1998, no art. 6º, I, II e III, dispõe que a remuneração do serviço abrange o prático, a lancha de prático e a atalaia e deve “ser livremente negociado entre as partes interessadas”; não havendo acordo, poderá o Diretor de Portos e Costas fixá-la. A intervenção da Autoridade Marítima na definição dos preços, no regime desse Decreto, é supletiva, condicionada e justificada para assegurar a disponibilidade permanente do serviço, em caso de risco de sua interrupção [12].
O poder conferido às autoridades administrativas na imposição de sanções aos Práticos e aos Praticantes de Práticos, por infração aos deveres que lhes são atribuídos, compõe também o regime de direito público, que é absolutamente preponderante no serviço de praticagem, de maneira que o elemento formal se faz presente para a caracterização de sua natureza pública.
Por último, concorre o elemento subjetivo ou o vínculo orgânico nessa caracterização. Sobre esse requisito, assinala Almiro do Couto e Silva que, “para a qualificação de um serviço como público, a par do interesse geral a que se destina a satisfazer, é indispensável a existência de um vínculo orgânico entre ele e o Estado. Este é o titular do serviço, muito embora sua gestão possa ser transferida a particulares” [13].
A gestão do serviço de praticagem foi transferida diretamente aos Práticos habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas (Lei nº 9.357/97, art. 13, caput), sem vínculo funcional com o Estado, que desempenham as atividades pertinentes por delegação da União, que é a titular do serviço [14].
3 – Tese diversa do Relator referida em recentes julgados do STJ
3.1 - Ilegalidade da definição normativa de preços máximos
No regime do Decreto nº 2.596/98, na parte em que regulamenta o art. 14, II, da Lei 9.537/97, a intervenção da autoridade marítima na definição do preço é cabível se não houver acordo entre as partes. É exigida e justificada para assegurar a disponibilidade permanente do serviço, em caso de risco de sua interrupção.
Sobreveio o Decreto nº 7.860, de 6/12/2012, que revogou o art. 6º e seus incisos do Decreto 2.596, instituindo a"Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem"e definindo suas atribuições, entre as quais a de propor"preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem".
No Recurso Especial nº 1.662.196-RJ, interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sustentou o Sindicato dos Práticos, então recorrente, no mérito, que o citado ato normativo era inconciliável com os arts. 13, § 3º, e 14, par. único, II, da Lei 9.537/97 [15], argumentando que esses dispositivos asseguram a autonomia das contratantes para estabelecer o preço do serviço e que só é possível o arbitramento pela autoridade pública, em caso de desacordo entre as partes, sendo incabível a definição de preços fixos, em caráter permanente, independente de prévia negociação entre contratante e contratado.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu esse fundamento do recurso especial para dar-lhe integral provimento, proclamando a ilegalidade do Decreto, por incompatibilidade com os citados preceitos da Lei 9.537/97. A partir desse julgado, de 05/12/2017, a Turma consolidou a orientação no sentido de que o Decreto nº 7.860/2012 extrapolou os limites da Lei nº 9.537/1997 [16].
O Decreto nº 7.860, de 2012, veio a ser revogado pelo Decreto nº 9.676, de 2/01/2019, de modo que prevalece o Decreto nº 2.596, de 1998, em vigor, que só autoriza a intervenção da autoridade marítima na definição do preço se não houver acordo entre as partes.
Sob o aspecto processual, no tocante à ilegalidade do Decreto nº 7.860/2012, a Segunda Turma decidiu a controvérsia nos limites constitucionais do recurso especial, estabelecidos no art. 105, I a III, da Lei Maior.
3.2 - Incursão em matéria constitucional
O voto condutor do acórdão do Ministro Relator, porém, no primeiro precedente ( Recurso Especial nº 1.662.196-RJ) e em outros em que lhe coube a relatoria, além da questão da ilegalidade, objeto do recurso especial, cuidou de suscitar matéria constitucional, assinalando que as normas legais invocadas no recurso especial, como também todas as demais disposições da Lei 9.537/97, que dispõem sobre o serviço de praticagem (arts. 12 a 15), estão em conformidade com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, contemplados no art. 170, caput, e no parágrafo único, IV, da Constituição Federal.
Essa ampliação da abordagem jurídica do tema, além da controvérsia estabelecida no recurso especial, levou S. Exa. a definir posição doutrinária no sentido de que o serviço de praticagem tem natureza privada, tese esta inserida nas ementas dos acórdãos [17].
As considerações sobre matéria constitucional constantes do voto do Relator, porém, não se contêm no alcance dos recursos especiais interpostos e, sob o aspecto material, não se afiguram compatíveis com as normas da Constituição Federal e da Lei 9.537/97 concernentes à natureza do serviço público de praticagem.
Em primeiro lugar, desnecessária e imprópria a abordagem de matéria constitucional, porque a definição a respeito, embora constitua posicionamento quanto à natureza do serviço de praticagem, porque emanado de integrante do Superior Tribunal de Justiça, Corte Superior que tem a missão de defesa do direito federal e de garantir a uniformidade de sua interpretação em todo o território nacional, não constitui fundamento dos julgados, nem se insere na coisa julgada.
Sem dúvida, é singularíssimo o alcance do voto do Relator desses acórdãos. As decisões do Tribunal Regional Federal, nos precedentes indicados, estavam assentadas exclusivamente em matéria infraconstitucional, razão pela qual foram impugnadas tão somente mediante recurso especial. Se as decisões recorridas do Tribunal Regional estivessem também fundadas em matéria constitucional, só poderiam ser impugnadas, nessa parte, por via de recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, imprópria a invocação de fundamento de ordem constitucional. A Segunda Turma do STJ declarou a ilegalidade do Decreto regulamentar. Incabível recurso extraordinário dessas decisões, porque não estão fundadas em inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Também não se pode cogitar do apelo extremo à luz do princípio constitucional da legalidade, como demonstra o teor da Súmula 636 do Supremo Tribunal Federal [18].
Acrescente-se que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o decreto regulamentar, que extravasa os limites da lei ou afronta o seu conteúdo, ressente-se de ilegalidade e não de inconstitucionalidade, razão pela qual não se sujeita à jurisdição constitucional, seja no controle difuso, seja no concentrado [19].
Nesses precedentes da Segunda Turma do STJ, a matéria constitucional foi suscitada originariamente pelo Ministro Relator no julgamento dos recursos especiais, para declarar a compatibilidade do complexo de normas da Lei 9.537/97, que define o regime do serviço de praticagem, com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, matéria que não era objeto de controvérsia e sequer foi anteriormente ventilada. Por isso, não deu ensejo a contraditório, em qualquer fase processual. A coisa julgada material reduziu-se à questão da ilegalidade do Decreto, que foi a solução de mérito dada nos acórdãos à questão principal (CPC/2015, art. 503, caput) [20].
Por outro lado, se as decisões do Tribunal Regional Federal também estivessem assentadas em fundamento constitucional, não se poderia sequer conhecer do recurso especial, na ausência de interposição concomitante do recurso extraordinário, segundo, aliás, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, enunciada na Súmula 126:"É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário".
Pelos motivos apontados, não tem razão jurídica de ser a digressão do voto do Relator na invocação dos preceitos constitucionais. A matéria constitucional não constituiu fundamento dos julgados. A coisa julgada restringiu-se à pronúncia de ilegalidade do Decreto 7.860/2012.
3.3 - Posicionamento jurídico inédito quanto às normas da Lei 9.537/97
As considerações em torno da matéria constitucional nos votos do Relator dos aludidos precedentes, ademais, traduzem posição inédita quanto à juridicidade das normas da Lei nº 9.537/97 relativas ao serviço de praticagem.
Nas controvérsias anteriores, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência foram, não raro, invocados pelas partes interessadas nas ações em primeira instância para afastar a incidência das regras concernentes ao regime de direito público do serviço de praticagem, constantes dos arts. 12 a 15 desse diploma legal. Não obtiveram êxito nos vários e sucessivos recursos, porque os Tribunais Regionais Federais e mesmo o Superior Tribunal de Justiça, concluíram pela aplicação desses dispositivos legais, afastando assim implicitamente a alegação de incompatibilidade com os citados princípios constitucionais.
Já nesses últimos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, todo o complexo de normas da lei 9.537/97 foi invocado para sustentar sua integral compatibilidade com os mesmos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e proclamar a"natureza privada do serviço de praticagem".
Registre-se que, de fato, por curto tempo, no passado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidia que o art. 14, par. único, I, da Lei nº 9.537/97, somente autorizaria a autoridade marítima a fixar um número mínimo de Práticos para cada Zona de Praticagem, porque essa seria a interpretação que tornaria a regra compatível com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (CF/88, art. 170, caput e inciso IV) [21].
A decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal num desses casos (AMS nº 49.503-RJ) foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 752.175-RJ, Relatora a Ministra Eliana Calmon, em que a Segunda Turma, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial, entendendo que: a) a Lei nº 9.537/97 estabelece rígido controle pelo Estado do desempenho da atividade do Prático, para salvaguardar a vida humana, a segurança da navegação e a preservação do meio ambiente, atribuindo à autoridade marítima competência para delimitar as zonas de praticagem, regulamentar o serviço e realizar o processo seletivo correspondente; b) no processo seletivo de Praticante de Prático, dividido em seis etapas distintas, apenas os aprovados e classificados dentro das vagas podiam realizar o estágio de qualificação; e c) não tendo o impetrante sido classificado no limite das vagas oferecidas, não tem direito de continuar na etapa seguinte, concernente à realização do estágio de qualificação [22].
Registre-se ainda, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a decisão na Suspensão de Segurança nº 2.316-PA, em que o Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente da Corte, em 01/02/2010, acolhendo os fundamentos da Advocacia-Geral da União, deferiu parcialmente o pedido de suspensão da tutela recursal, para manter a escala de rodízio dos práticos, no propósito de garantir a segurança da navegação e, consequentemente, os direitos fundamentais à vida, à propriedade e ao meio ambiente [23]. Destacou a Advocacia-Geral, com precisão, que a escala única de rodízio é o modelo adotado em diversos países e principais portos do mundo, o que o consolida como paradigma universal do serviço de praticagem, acrescentando que este não é um assunto de livre iniciativa, mas sim de exercício de atividade pública.
A partir da decisão no REsp 752.175-RJ, o antigo entendimento não mais prevaleceu no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Após as aludidas primeiras ocorrências, em tempo corrigidas, acabou sempre prevalecendo em todos os Tribunais Regionais Federais a orientação no sentido da aplicabilidade das normas da Lei 9.537/97, que estabelecem o regime jurídico do serviço de praticagem [24].
A questão jurídica constitucional em torno dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência só tem razão de ser caso se parta do pressuposto de que o serviço de praticagem tem natureza privada, porque, a considerar que tem natureza pública, não incidem tais princípios [25], isto é, a hipótese seria de não incidência, não envolvendo matéria constitucional.
Com efeito, se o serviço de praticagem tivesse natureza privada, os órgãos judiciais competentes deveriam necessariamente examinar a constitucionalidade das normas pertinentes da Lei 9.537/97, em face desses princípios, sempre que provocados pelas partes interessadas. Não há, entretanto, indicação de pronunciamento judicial nesse sentido, nem consta que as partes tenham insistido em qualquer caso, no passado, na apreciação dessa matéria mediante embargos de declaração ou que tenham interposto recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal para decisão a respeito.
Estes órgãos da Justiça Federal e o próprio Superior Tribunal de Justiça, se estivessem convencidos da inconstitucionalidade das restrições, deveriam até mesmo recusar aplicação a essas normas legais, declarando-as inconstitucionais, na via incidental, mesmo de ofício, no julgamento dos casos concretos, inclusive dos recursos [26].
Diversamente, a reconhecer-se que o serviço de praticagem tem natureza pública, as normas da Lei 9.537/97 concernentes ao seu regime jurídico são aplicáveis na exata dimensão de seu significado normativo, sem qualquer implicação com esses princípios constitucionais da ordem econômica, precisamente porque não têm eles incidência nas atividades que constituem um serviço público.
No complexo de decisões dos juízes federais e dos Tribunais Regionais Federais, verifica-se que uma suposta incompatibilidade do regime jurídico do serviço de praticagem com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ainda quando suscitada pelas partes interessadas, não foi objeto de decisão das instâncias ordinárias, perdeu força no curso dos respectivos processos e, em consequência, não chegou a ser levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
Em suma, a ocorrência de omissão só poderia ser caracterizada caso os aludidos princípios constitucionais tivessem incidência no serviço de praticagem. Diante da sistemática ausência de manifestação quanto a esses princípios constitucionais, sem oposição das partes interessadas, parece razoável considerar que as partes e os órgãos judiciários reconheceram, ainda que implicitamente, a não incidência das regras constitucionais pertinentes aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência em razão da natureza pública do serviço.
Dir-se-ia que as decisões que declaram a integridade e eficácia dos arts. 12 a 15 da Lei 9.537/97, seja sob o argumento de que veiculam normas compatíveis com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, seja sob o fundamento de que tais princípios não incidem no serviço público de praticagem, em nada interferem na garantia de legitimidade e efetividade das citadas regras do diploma legal, de modo que a controvérsia a respeito teria interesse simplesmente acadêmico, não se justificando o questionamento sobre a natureza pública ou privada das atividades pertinentes.
Basta considerar, porém, que a questão constitucional suscitada nos acórdãos da Segunda Turma, embora não constitua fundamento autônomo dos julgados nem tenha caráter vinculativo para os juízes e Tribunais, certamente poderá encorajar iniciativas legislativas de modificações sensíveis na Lei 9.537/97, contemplando normas dirigidas à flexibilização ou à mudança do regime do serviço de praticagem, na pretensão de transferir a própria titularidade do serviço de praticagem ao setor privado. Leis dessa natureza seriam não apenas conflitantes com a Constituição Federal, mas também levariam a expor a navegação em áreas restritas ao perigo de acidentes de grandes proporções, como já se verificou em outros países, que se aventuraram nessa direção e depois restabeleceram o regime jurídico de direito público do serviço de pilotagem ou de praticagem.
3.4 – Não incidência da livre iniciativa e da livre concorrência
Ainda quanto à afirmação constante do voto condutor dos recentes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça de que os arts. 12 a 15 da Lei 9.537/97 denotam que o serviço de praticagem está submetido aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, cumpre pôr em destaque que esse rígido regime jurídico do serviço de praticagem é voltado fundamentalmente a garantir a segurança da navegação, em tutela de bens e direitos fundamentais, fixados na Constituição Federal [27].
Dessa forma, não é possível a definição da natureza do serviço desvinculada da regra do art. 3º do citado diploma legal, que integra necessariamente o conjunto de normas relativas à praticagem e deixa expressamente enunciado que constitui ela atividade essencial, destinada a garantir a segurança da navegação, para proteção à vida, à segurança, ao patrimônio público ou privado, e para a preservação do meio ambiente [28]. Esse dispositivo deixa evidenciado o elemento material na caracterização do serviço público da praticagem.
Por outro lado, o entendimento do Relator de que a praticagem tem natureza privada não se concilia com as próprias expressões literais do art. 13 desse diploma legal, segundo o qual" o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados ... ", expressões que deixam claro que apenas a execução, ou seja, a gestão do serviço foi delegada aos Práticos, não a sua titularidade. Diga-se, aliás, que nos serviços públicos objeto de delegação transfere-se a execução ou gestão do serviço, mantendo-se a titularidade ao Poder Público.
Cumpre insistir, uma vez mais, naquilo que foi assinalado linhas atrás, isto é, que" a natureza do serviço diz respeito à sua titularidade, ao passo que a delegação se refere à sua execução, isto é, à gestão ".
O art.. 13 da Lei 9.537/97, aliás, torna claro o elemento subjetivo na configuração do serviço público de praticagem. Trata-se de delegação de serviço público estabelecida diretamente em lei, mantida a titularidade estatal. O serviço público, com efeito, é atribuído ao Estado, que pode delegar o seu exercício aos particulares. Como acentua Odete Medauar, não se pode dizer que a prestação de serviços públicos seja informada pela livre iniciativa, porque a decisão de transferir a execução ao setor privado é sempre do poder público [29].
Nas palavras de Egon Bockmann Moreira, “não se dá a incidência do princípio da subsidiaridade no setor de serviços públicos (...). O serviço público é reservado de forma privativa ao Estado, podendo ser concedido o seu exercício aos particulares. Não há serviço público exercido de forma subsidiária pelo Poder Público (mas sim pelas pessoas privadas). Nem tampouco se poderia cogitar de o Estado “intervir” num setor que lhe é próprio. Quanto aos serviços públicos, o Estado tem o dever de sempre atuar (de forma direta ou indireta), pois sua racionalidade exige a prestação pública contínua e adequada [30].”
E, ademais, as considerações feitas pelo Relator nesses acórdãos recentes da Segunda Turma também não parecem em conformidade com as disposições tomadas como referência da Lei nº 9.537/97, que, em realidade, estabelecem regime jurídico de direito público para as atividades correspondentes. O complexo normativo constante do Capítulo III da Lei 9.537/97, que trata do serviço de praticagem (arts. 12 a 15), deixa evidenciado o elemento formal em sua caracterização como serviço público.
Como acentuam Marçal Justen Filho e Celso Antonio Bandeira de Mello, é inerente ao próprio conceito de serviço público a submissão das atividades pertinentes ao regime de direito público, mesmo que, em determinados aspectos, possam também ser aplicadas regras de direito privado [31].
Incabível conceber-se a hipótese de livre iniciativa se o exercício da profissão não é deixado ao livre arbítrio de eventuais interessados. Não basta a predisposição dos cidadãos ao exercício da profissão para a participação no mercado. O citado diploma legal exige que a autoridade marítima instaure processo seletivo de Praticantes de Prático, se e quando ocorrerem vagas, que deverão ser submetidos e aprovados em curso de formação, para que sejam qualificados como Práticos.
O processo seletivo público é determinado em lei também em estrita observância aos princípios constitucionais impostos à Administração Pública, enumerados no art. 37, caput , da Constituição. E mais, esse processo é desencadeado pela autoridade marítima precisamente para definição dos profissionais que, por delegação, deverão executar os serviços de praticagem.
Além disso, para atender à exigência legal de que o serviço, qualificado como essencial, esteja permanentemente disponível nas zonas de praticagem, e seja necessariamente prestado, compete à autoridade marítima estabelecer o número de Práticos necessário para cada zona de praticagem. Nessa definição, deve ainda ser considerada a exigência de realização de frequência mínima de manobras, estabelecida pelo Diretor de Portos e Costas, para garantir que os Práticos mantenham a habilitação para o exercício profissional.
Acresce que a contratação dos serviços é obrigatória, tanto para o Comandante do navio, quanto para o Pratico, excluindo-se, ipso facto, de forma absoluta, a livre concorrência. O Prático não pode recusar-se à prestação do serviço, sob pena de suspensão do certificado de habilitação e, em caso de reincidência, de seu cancelamento (art. 15). O contratante, por sua vez, não dispõe de liberdade de escolha do Prático que lhe prestará o serviço de praticagem, tendo em vista a escala de rodízio fixada pela autoridade marítima.
Não há livre concorrência nem mesmo na definição do preço do serviço de praticagem. Ele é fixado, em princípio, por acordo entre contratante e contratado. Não havendo acordo, não há possibilidade de contratação de outro Prático. Inexiste competição entre Práticos para a realização do serviço. O serviço deve ser prestado, ainda que não haja acordo sobre o preço. Mesmo no regime do Decreto 2.596, de 1998, a definição do preço está também submetida ao regime de direito público imposto pela Lei 9.537/97, porque, embora deva ser “negociado entre as partes interessadas”, será fixado pelo Diretor de Portos e Costas, caso não haja acordo entre elas (art. 6º, I, II e III). Esse dispositivo do Decreto regulamenta o art. 14, II, da Lei 9.537, segundo o qual"a autoridade marítima poderá fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem".
Em suma, a Lei 9.537/97, seguindo longa tradição, estruturou o serviço de praticagem como serviço público de interesse nacional, delegando a sua execução aos Práticos, habilitados em processo seletivo e aprovados em estágio de qualificação, de modo que está excluído, ex vi legis, da esfera da livre iniciativa e da livre concorrência e, portanto, do âmbito privado.
Essa exclusão, por força de lei, impõe-se também como exigência indeclinável de defesa do interesse social. A habilitação especial e permanente e a limitação do número de práticos, estabelecidas nas normas de direito público que disciplinam o serviço de praticagem, com efeito, são voltadas fundamentalmente a garantir a segurança da navegação. em defesa de direitos fundamentais.
E, por último, a qualificação das atividades de praticagem como serviço de natureza privada não se apresenta em sintonia com os sistemas jurídicos dos países membros da Organização Marítima Internacional, que seguem a orientação emanada de suas resoluções, adotando organização similar à do Brasil, e reconhecem a natureza pública do serviço de pilotagem ou de praticagem.
4 - Sistema marítimo internacional e o direito comparado
4.1 - Adequação ao sistema jurídico internacional
Toda disciplina estabelecida na legislação para atividades complexas comporta, vez ou outra, ajustes tendentes ao aprimoramento do quadro normativo, mas é inegável que a regulamentação do serviço de praticagem vigente no País (Lei 9.537/97, Decreto nº 2.596, de 1998, e NORMAM nº 12/2006) corresponde ao que existe de mais moderno neste século em todo o mundo. Esses aspectos foram ressaltados em nosso artigo anterior sobre o tema [32], razão pela qual serão reproduzidos nos parágrafos subsequentes.
A decisão do legislador de estabelecer regime jurídico de direito público para o serviço de praticagem, em todos os aspectos essenciais, decorre da própria necessidade de conferir-lhe tratamento especial, por sua natureza verdadeiramente singular, em razão do imperativo da segurança da navegação em áreas restritas.
O tratamento dado à matéria no sistema brasileiro é o preconizado pela Resolução nº A-960, publicada em 5 de março de 2004, que foi adotada em 5 de dezembro de 2003 pela Assembleia da Organização Marítima Internacional (IMO – International Maritime Organization), Agência da ONU, sediada em Londres, que conta com 174 países membros, dentre os quais o Brasil, desde 1963 [33].
Os atos e resoluções da IMO são de obrigatória observância no País, nos termos do art. 36 da Lei nº 9.537/97, que dispõe:" As normas decorrentes desta Lei obedecerão, no que couber, aos atos e resoluções internacionais ratificados pelo Brasil, especificamente os relativos à salvaguarda da vida humana nas águas, à segurança da navegação e ao controle da poluição ambiental causada por embarcações”.
A importância da utilização de pilotos marítimos (Práticos) qualificados nas proximidades dos portos e em outras áreas onde se exige conhecimento especializado local, havia sido reconhecida formalmente pela IMO em 1968, quando adotou a Resolução A-159, que recomendou aos Governos dos países membros a organização de “serviços de pilotagem” (no Brasil, “serviços de praticagem”), que poderiam mostrar-se mais efetivos do que outras medidas, e a definição dos navios e classes de navios para os quais o serviço deveria ser obrigatório [34].
Essa a razão pela qual, nos vários países, o serviço de praticagem está submetido a rígido controle estatal. Há formas de organização diversas do serviço de praticagem em cada país: em alguns, é exercido diretamente pelo Estado; em outros, é delegado a profissionais autônomos, organizados em associações ou sindicatos. Podem ser controlados pela Marinha, como ocorre no Brasil, pela Guarda Costeira, como é o caso dos Estados Unidos da América, ou ainda pela Administração Portuária. Mas, “em todos os países, o serviço de praticagem guarda um traço em comum: o controle pelo Estado, tanto na parte técnica quanto na comercial” [35].
4.2 - O serviço de praticagem em outros países
A natureza pública do serviço de praticagem é definida nos sistemas jurídicos que adotam organização similar à do Brasil, em sintonia e em cumprimento às recomendações da Organização Marítima Internacional.
Na França, os pilotos são também profissionais autônomos e a prestação de serviço de pilotagem constitui um contrato de direito privado. O serviço, porém, está submetido a um regime específico de direito público no interesse de garantir a segurança da navegação e, por essas razões, têm natureza de serviço público, como reconheceu o Conselho de Estado, em julgado de 2 de junho de 1972 [36].
A Itália apresenta organização semelhante. A pilotagem é atribuída a uma corporação de pilotos, com personalidade jurídica própria, mas submetida ao controle contínuo por parte da autoridade marítima, tanto no que diz respeito aos integrantes da corporação quanto ao desenvolvimento de suas atividades. O caráter público do serviço de pilotagem é reconhecido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência italianas, porque organizado para prestação de serviços de interesse geral, pelas prescrições de caráter administrativo a que está submetido e ainda porque exercido exclusivamente por pilotos selecionados previamente em exames especiais [37].
Na Espanha, que, por igual, apresenta organização similar à do Brasil, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a natureza pública do serviço de praticagem [38]. Os práticos devem necessariamente agrupar-se em corporações, que são entidades jurídicas privadas. A autoridade do porto fixa as condições técnicas e as tarifas máximas do serviço. Define ainda o conteúdo do programa para o ingresso de novos práticos, que devem ainda cumprir meses de experiência na realização de manobras na área portuária local. A autoridade portuária pode requisitar práticos, quando necessário. O poder disciplinar também é exercido pela autoridade marítima.
Na Argentina, os práticos habilitados pela autoridade marítima competente podem exercer a profissão individualmente, reunidos em associações ou vinculados a empresas. A regulamentação e a fiscalização dos serviços de praticagem são da responsabilidade do Governo Federal. Nem precisava dizê-lo, mas o Reglamento de los Servicios de Praticaje y Pilotaje para los Rios, Puertos, Pasos y Canales de la República Argentina deixa literalmente expresso, em seu art. 2º: "A praticagem e pilotagem constituem um serviço público, de interesse para a segurança da navegação".
Em Portugal, o serviço de pilotagem é disciplinado pelo Decreto-Lei nº 48, de 02.03.2002. Nos termos desse diploma, trata-se de um serviço público, exercido nos portos e barras por pilotos devidamente habilitados e certificados, com experiência na condução e manobra de navios em áreas restritas e conhecedores das características físicas locais [39].
Os diversos países europeus, aliás, organizam a praticagem como serviço público, prestado diretamente pelo próprio Estado ou por corporação de Práticos, com número de profissionais definido pelas autoridades administrativas de cada país. Na Bélgica, Grécia e nos países escandinavos, o serviço de pilotagem é exercido diretamente pelo Estado, através de funcionários ou empregados públicos.
Têm sido frustradas as raras iniciativas tendentes a submeter o serviço de pilotagem ao regime de mercado. O sistema vigente, de organização do serviço de pilotagem como serviço público, está bem sedimentado na Europa e em outros países, a julgar pelas regulamentações mais recentes sobre a matéria [40].
5 – Posição doutrinária declinada em trabalho posterior
5.1 - Âmbito restrito de divergência com o trabalho original
Como referido anteriormente, a natureza pública do serviço de praticagem foi originariamente sustentada no artigo de nossa autoria, publicado em abril de 2014, à luz dos elementos clássicos que caracterizam o serviço público e de outros aspectos relevantes, examinados em itens precedentes e em outros descritos ao longo desta exposição [41].
No final de 2015, foi dado à publicação trabalho jurídico, dois anos depois convertido em livro, com título equivalente e que apresenta grande similaridade com nosso trabalho original, direcionando-se, de pronto, à questão de saber se o serviço de praticagem constitui ou não serviço público.
Em síntese, tratando dos mesmos subtemas do artigo de 2014, cuidou a autoria desse trabalho posterior de discorrer, em sintonia com nosso trabalho original, sobre a origem e a evolução do serviço de praticagem no sistema jurídico do Brasil e também se encaminhou no sentido de proceder ao exame do serviço de praticagem como serviço público, em face dos seus três elementos característicos, isto é, o objetivo, o formal e o subjetivo [42]. Faz igualmente incursão sobre a matéria nos sistemas jurídicos de outros países e também exclui a possibilidade de inserir essas atividades como serviço de natureza privada [43].
Nessa análise, a autoria põe em destaque as normas constantes da Lei nº 9.537/97, que disciplinam a execução do serviço, para concluir, identicamente, que os elementos material ou objetivo e o formal são evidentes nas atividades correspondentes.
A divergência em relação ao artigo original de 2014 situa-se no tocante à caracterização do elemento subjetivo ou orgânico, exigido para a qualificação do serviço de praticagem como serviço público. Em torno desse aspecto, faz alentada exposição a respeito do "conceito de serviços públicos e suas possibilidades de delegação a particulares", com o intuito de demonstrar que a transferência da execução do serviço aos Práticos não se subsume às hipóteses de autorização, concessão e permissão, que constituem as formas de delegação referidas na Constituição Federal.
No propósito de justificar o posicionamento quanto ao elemento subjetivo, alega a autoria da obra de 2017, em resumo:
1) a legislação pertinente optou por submeter a atividade de praticagem a uma regulamentação setorial anacrônica, similar à empregada no Século XIX -- em que os serviços devem ser desempenhados por particulares, "individualmente, organizados por associações ou contratados por empresas", submetidos, porém, a um ostensivo controle estatal em sua execução;
2) o elemento material ou objetivo e o elemento formal, que caracterizam o serviço público, estão presentes no serviço de praticagem, mas não se configura o elemento subjetivo, porque não há como enquadrá-lo em qualquer das hipóteses de delegação definidas no sistema jurídico brasileiro, isto é, a autorização, a concessão ou a permissão;
3) mesmo assim, "o serviço de praticagem poderia perfeitamente ser classificado como serviço público", mas a regulamentação da matéria não deixa claro se as atividades de praticagem foram delegadas aos particulares, uma vez que não utiliza a expressão "delegação" para qualificar a execução do serviço; e
4) poder-se-ia reformar a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário para esclarecer que "os serviços de praticagem serão exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público".
Não se nos afiguram procedentes essas razões, nos pontos em que se apresentam discrepantes de nosso trabalho inaugural.
Antes de ingressar no exame das questões relativas ao elemento subjetivo, propriamente dito, cumpre referir, de pronto, que os elementos material ou objetivo e formal, coexistentes no serviço de praticagem, são suficientes para tipificá-lo como serviço público de titularidade da União.
A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dão ênfase à conjugação desses critérios para a configuração dos serviços públicos. A preponderância é conferida ao elemento material ou objetivo, especialmente quando dirigido à salvaguarda de direitos fundamentais da coletividade, como ocorre no serviço de praticagem. O elemento formal também tem grande relevância, porque a rigidez do regime de direito público do serviço de praticagem decorre da necessidade de defesa desses direitos fundamentais, em especial no tocante aos cuidados especiais exigidos na entrada e na saída dos navios nos portos ou das embarcações em outras zonas de praticagem.
Se há um serviço em funcionamento, caracterizado como serviço público à luz do critério material ou objetivo e do formal, o questionamento a respeito da legitimidade constitucional da atribuição legal de sua gestão à atividade privada pode ter pertinência no plano da validade de normas concernentes à delegação, atingindo a forma de sua execução, mas em nada altera a titularidade do serviço.
E, com efeito, o critério subjetivo diz respeito à execução dos serviços públicos, que pode ser realizada diretamente pelo Poder Público, mas também delegada a particulares, sem interferência em sua titularidade. Diga-se, aliás, que se fosse possível admitir, ad argumentandum, ilegitimidade na delegação, o serviço, que tem natureza pública, teria de ser prestado diretamente pelo Poder Público ou por via de nova delegação, juridicamente válida, para garantir a continuidade de sua execução, que é princípio inerente à sua essencialidade.
Dessa forma, tendo o trabalho de 2015/2017 reconhecido a coexistência do elemento material ou objetivo e do elemento formal no serviço de praticagem, deveria, coerentemente, tipificá-lo como serviço público de titularidade da União, cuja execução foi delegada aos Práticos.
A autoria desse trabalho posterior ainda se vale de um argumento subsidiário, ao considerar que seria legítima a caracterização da praticagem como serviço público, desde que a lei houvesse empregado a expressão "delegação", para referir que a execução do serviço foi atribuída por lei aos Práticos.
Toda essa argumentação passará a ser melhor analisada nos itens subsequentes.
5.2 - Elemento subjetivo: Delegação da execução do serviço a particulares
A primeira peculiaridade do serviço de praticagem é a de que a delegação de sua execução é conferida aos Práticos, pessoas naturais, e não a empresas ou pessoas que exploram atividades mercantis.
É certo que a delegação para o exercício da praticagem não se compreende no alcance do art. 175 da Constituição Federal, que confere ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. Todo o regime jurídico da praticagem está consubstanciado em normas estabelecidas em lei e atos normativos federais, que não encontra paralelo na atividade privada, nem está submetido a regras contratuais, como ocorre na concessão ou na permissão de serviço público.
A delegação para a execução do serviço recai diretamente, ex vi legis, sobre os Práticos, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas. A atribuição da execução das atividades concernentes ao serviço de praticagem a esses profissionais, estabelecida na Lei 9.537/97, configura, por si, delegação da gestão do serviço. A delegação do serviço público à prestação por particulares, pessoas naturais -- observa Marçal Justen Filho -- "não desnatura a existência de um serviço público, o qual será executado por particulares delegados do Estado" [44].
A liberdade de associação profissional, com efeito, compreende, quando estabelecida e regulada em lei, "o exercício de funções delegadas pelo Poder Público", como literalmente previsto no art. 159 da Constituição de 1946, reproduzido no art. 166 da Constituição de 1967/69, liberdade esta hoje contemplada no art. 8º da Constituição vigente. Os dois primeiros dispositivos são explícitos nesse sentido: "É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público serão regulados em lei".
O serviço de praticagem foi atribuído por determinação legal diretamente aos Práticos, excluindo-se, portanto, das formas contratuais de delegação de serviço público de que trata o art. 175 da Constituição, em que se exige prévia licitação.
5.3 - Analogia com os serviços notariais e de registro
No trabalho de 2014, chamamos a atenção para a analogia existente entre o serviço de praticagem e os serviços notariais e de registro, destacando que ambos são exercidos em caráter privado, mas submetidos a um regime rígido de direito público, e que a delegação recai sobre profissionais aprovados em processo seletivo ou concurso público, respectivamente, instaurados pelo próprio Poder Público, ou seja, a União, e não sobre entes privados que exploram atividade mercantil, verbis:
"A administração do serviço de praticagem era conferida às Capitanias dos Portos nos sucessivos Regulamentos, desde o Decreto nº 79/1889. A transferência da gestão do serviço aos Práticos, a partir do Decreto nº 119/1961, constitui caso típico de delegação, em que a União manteve a titularidade do serviço, transferindo a sua execução aos delegatários, que passaram a ter o exercício da atividade.
A analogia com as atividades notariais e de registro, que constituem serviço público, é inevitável, porque também são exercidas em caráter privado, por delegação do Estado. Estão ambos os serviços submetidos a um regime estrito de direito público. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público por expressa determinação constitucional ( CF/88, art. 236, caput, e § 3º) [45], enquanto que o exercício da profissão de Prático depende de aprovação em processo seletivo de Praticante de Prático, além de aprovação em estágio de qualificação, por imposição legal inerente às exigências de qualificação especial para exercer a atividade, e em observância de princípios constitucionais concernentes à Administração Pública (CF/88, art. 37, caput)" [46].
E, com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, traduzida em vários julgados, está orientada no sentido de que as atividades notariais e de registro constituem serviço público, que é exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público. Está firmado igualmente o entendimento da Suprema Corte de que esses serviços não se compreendem no alcance do art. 175 da Constituição Federal, como demonstrado no julgamento da ADI 2.415, de que foi Relator o Ministro Ayres Britto. A ementa do acórdão destaca que essas atividades, próprias do Estado, são exercidas por pessoas naturais, mediante delegação, inconfundível com a concessão ou a permissão, de que trata o art. 175 da Lei Maior, que constituem formas contratuais de delegação a empresa ou pessoa mercantil [47].
No julgamento da ADI nº 2.602-0 MG, Relator para o acórdão o Ministro Eros Grau, decidiu o Supremo Tribunal Federal, como resumido na ementa do acórdão, que "os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público -- serviço público não privativo". Em seu voto, salientou S. Exa. que a exigência de concurso público constitui, em realidade, uma seleção para o exercício de atividade [48]. É precisamente o que ocorre no serviço de praticagem, em que o processo seletivo e o estágio de qualificação são dirigidos à seleção para a delegação do exercício das atividades concernentes a esse serviço.
Referindo-se ao art. 236 da Constituição Federal, o Ministro Ayres Britto, por seu turno, assim definiu os traços essenciais dos serviços notariais e de registro:
"I - serviços notariais e de registro são atividades próprias do Poder Público, pela clara razão de que, se não o fossem, nenhum sentido haveria para a remissão que a Lei Maior expressamente faz ao instituto da delegação a pessoas privadas. É dizer atividades de senhorio público, por certo, porém, obrigatoriamente, exercidas em caráter privado ( CF, art. 236, caput). Não facultativamente, como se dá, agora sim, com a prestação dos serviços públicos, desde que a opção pela via privada (que é uma via indireta) se dê por força de lei de cada pessoa federada que titulariza tais serviços".
A delegação das atividades de praticagem, por sua vez, caracteriza-se como atribuição de serviço público aos Práticos, porque dirigido à salvaguarda de direitos fundamentais individuais e coletivos. Não se trata, portanto, de delegação de funções públicas próprias do Estado. Como assinala Caio Tácito, com apoio na doutrina italiana, "a função pública é a atividade endereçada aos fins essenciais do Estado (como a justiça, a segurança pública, a defesa nacional) enquanto o serviço público representa a atividade do Estado visando aos objetivos de bem-estar social e à satisfação das necessidades individuais", acrescentando: "a função pública, fundada no poder soberano, é atividade necessária do Estado" [49].
Observa o autor que a função pública é conceituada como "atividade própria e exclusiva do Estado", ao passo que no serviço público há duas partes, a que "atende diretamente a interesses coletivos indiscriminados (uti universi)" e aquela em que "ocorrem prestações de serviço que, embora genéricas quanto à sua disponibilidade, visam a satisfazer interesses que se podem individualizar entre determinadas pessoas, que as usufruem diretamente (uti singuli)" [50].
Acrescente-se que a delegação compreende a gestão do serviço de praticagem como um todo, inteiramente transferida aos Práticos, que dispõem de estrutura material própria para a execução das atividades. Como salientado anteriormente, a partir do Decreto nº 119, de 1961, a administração da praticagem, que, desde 1889, era confiada às Capitanias dos Portos, foi atribuída aos próprios Práticos, que podiam exercer sua profissão individualmente ou reunidos em associação (art. 10).
Por via desse Decreto e, posteriormente, através da Lei 9.537, de 1997, em vigor, transferiu-se aos Práticos a responsabilidade pela gestão dos serviços, conferindo-lhes autonomia para decidirem sobre alguns aspectos administrativos e comerciais, não mais subordinando os serviços de praticagem aos Capitães dos Portos, como ocorria nos Regulamentos anteriores. Não se limitou à função técnica de praticagem, de maneira que, também sob esse aspecto, incabível cogitar-se de delegação de função pública.
6 - Legitimidade constitucional da delegação do serviço de praticagem
A Constituição vigente, no regime da qual foi editada a Lei 9.537/97, atribui à União competência privativa para legislar sobre “regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima...” (art. 22, X), bem como competência concorrente para legislar sobre “proteção do meio ambiente e controle da poluição” (art. 24, VI), que fundamentam as normas legais e regulamentares editadas em tutela desses bens e direitos constitucionais.
A expressão "regime dos portos" -- como referiu Pontes de Miranda em comentário art. 5º, inciso XV, letra i, da Constituição de 1946 [51] -- "compreende as regras jurídicas, inclusive puramente administrativas, sobre polícia marítima e portuária, sobre medidas de navegação, ancoragem, entrada e saída, higiene, ordem e procedência, etc." [52]. Essa e outras regras da Carta de 1946 constituíam o fundamento de validade do Decreto 119, de 1962, primeiro diploma a delegar a execução do serviço de praticagem aos Práticos.
A Constituição de 1988 é mais explícita na determinação da abrangência da competência federal. E o art. 21, XII, alínea f , ainda insere os portos marítimos, fluviais e lacustres entre os serviços públicos que devem ser explorados diretamente ou por delegação da União, ao atribuir-lhe competência para "explorar, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão (...) os portos marítimos, fluviais e lacustres".
Os serviços de portos compreendem a estrutura destinada a atender à segurança da navegação, na movimentação de passageiros ou de mercadorias, explorados pela União diretamente ou mediante delegação. A Lei nº 12.815, de 2013, estabelece no art. 3º, inciso IV , que uma das diretrizes da exploração dos portos organizados e instalações portuárias é a da "promoção da segurança da navegação na entrada e na saída das embarcações dos portos". Segundo o mesmo diploma legal, porto organizado é o "bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária" (art. 2º, I). Tomando-se como referência o transporte marítimo, os serviços portuários compreendem os prestados na entrada e saída dos navios dos portos, em que se inclui a praticagem [53].
A Lei 9.537/97 atribui à autoridade marítima competência para elaborar normas relativas a "tráfego e permanência das embarcações nas águas sob jurisdição nacional, bem como sua entrada e saída de portos, atracadouros, fundeadouros e marinas" (art. 4º, I, b), bem assim para "regulamentar o serviço de praticagem, estabelecer as zonas de praticagem em que a utilização do serviço é obrigatória e especificar as embarcações dispensadas do serviço" (art. 4º, II). A Lei Complementar nº 97, de 09.06.1999, confere à Marinha, dentre outras atribuições, a de “prover a segurança da navegação aquaviária” (art. 17, II) [54].
A atribuição do serviço de praticagem aos Práticos, em nosso entender, estabelecida diretamente em lei, configura "autorização", modalidade autônoma de delegação de serviço público, expressamente contemplada no citado art. 21, XII, da Constituição, ao lado da concessão e da permissão, que são as vias contratuais de delegação de serviço público, compreendidas no contexto do art. 175 da Lei Maior.
A "autorização" foi explicitamente referida no art. 21, XI e XII, da Constituição vigente. Trata-se de designação específica de delegação, que vem empregada na Constituição Federal exclusivamente ao lado da concessão e da permissão, relativamente aos serviços públicos especificados no texto constitucional, cuja exploração deva ser realizada, por força de lei, por uma dessas três formas de delegação. No regime dos textos constitucionais anteriores, a "autorização", como forma de delegação, foi também expressamente mencionada nos dispositivos que tratavam de definir a competência privativa da União para a exploração dos serviços neles especificados (Constituição de 1946, no art. 5º, XII [55], e Constituição de 1967/69, no art. 8º, XV [56]).
É verdade que subsiste controvérsia doutrinária em torno do alcance da expressão, que é empregada em mais de um significado normativo no próprio texto constitucional. Na exegese dos mesmos incisos XI e XII do art. 21 da Constituição, parte considerável da doutrina considera que a "autorização" tem alcance restrito, como instrumento para que o poder público, de forma discricionária, admita que particulares explorem certos serviços privados de interesse público, inadmitindo que configure forma de delegação de serviço público.
Diante da literalidade e da clareza do texto constitucional, contudo, não se pode deixar de reconhecer a autorização como modalidade autônoma de delegação de serviço público. Diga-se, aliás, que os serviços especificados nas alíneas do art. 21, XII, da Constituição, sem qualquer exceção, configuram serviços públicos [57]. Esse alcance da "autorização" é confirmado na Lei nº 9.491, de 1997 (Lei de Desestatização), cujo art. 2º, III, dispõe que "poderão ser objeto de desestatização (...) serviços públicos objeto da concessão, permissão ou autorização".
Esse significado parece irrecusável. Ainda que se considere que a "autorização", empregada no inciso XII do art. 21, tenha também o sentido de viabilizar restrições concernentes ao poder de polícia do Estado, esse entendimento em nada pode afetar a definição constitucional da autorização como modalidade de delegação de serviço público.
Essa a razão pela qual Diogo de Figueiredo Moreira Neto preconiza a autorização como instrumento de delegação (art. 21, XI e XII) e como instrumento para o poder público “anuir discricionariamente com o desempenho pelos particulares de certos serviços privados de interesse público, assim por lei considerados todos aqueles que não obstante o prevalecente interesse privado, atendam também ao público; neste caso, porém, recorde-se, não existe qualquer delegação de serviço público” [58].
Identicamente, referindo-se especificamente ao alcance da expressão nesses dispositivos constitucionais, anota Almiro do Couto e Silva que a delegação de serviço público está aí dirigida à exploração de serviço público, acrescentando: "Exploração, na leitura que fazemos dos incisos XI e XII do art. 21 da Constituição Federal, importa"execução"ou prestação de serviços públicos, que, como tais, se destinam a serem utilizados pelo público em geral" [59].
Observa também o Autor que "não se deve, entretanto, confundir a"autorização", ato de delegação de serviço público, com a"autorização"de certas atividades que, embora possam ter a aparência de serviço público, não implicam satisfação de interesses gerais ou coletivos (e, por isso mesmo, não é serviço público), mas visam a atender, exclusiva ou principalmente, interesses privados" [60].
Assinala que "o conceito de serviço público no Brasil segue, em suas grandes linhas, a noção clássica francesa, designando, por consequência, aquele serviço que é prestado por órgão estatal, visando fim de utilidade pública, ou executado por particular, mas, neste caso, sempre por delegação do Estado. Em outras palavras, para qualificação de um serviço como público, a par do interesse geral a que se destina a satisfazer, é indispensável a existência de um vínculo orgânico entre ele e o Estado. Este é o titular do serviço, muito embora sua gestão possa ser transferida a particulares" [61].
O critério distintivo assenta-se, assim, em aspecto de alta relevância, dando-se prevalência ao elemento material nas atividades objeto de autorização. Desde que voltadas a garantir os interesses da coletividade, devem ser submetidas ao regime de direito público. No tocante ao serviço de praticagem, não se põe em duvida que é dirigido à defesa de direitos fundamentais, voltado que está precipuamente a garantir a segurança da navegação em áreas restritas, em salvaguarda da vida humana, em proteção ao patrimônio público e privado, inclusive em defesa do comércio exterior e, portanto à economia nacional, e na prevenção da poluição ambiental (Lei 9.537/97, art. 3º), qualificando-se, portanto, como serviço público, prestado mediante delegação da União e sujeito a regime jurídico especial.
Na definição dos serviços públicos que podem ser objeto de delegação mediante "autorização", entretanto, cumpre ter presente o alcance da regra do art. 175 da Constituição, que declara incumbir ao Poder Público a prestação dos serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou de permissão, sempre através de licitação. A autorização, como modalidade de delegação de serviço público, tem alcance restrito, não podendo estender-se ao âmbito material de incidência da citada regra constitucional, em que a delegação deve ser viabilizada através de prévia licitação, para fins de execução do serviço pelas vias contratuais da concessão ou da permissão.
Dessa forma, à luz das disposições constitucionais que inserem claramente a "autorização" como modalidade autônoma de delegação de serviço público, não deve prosperar ou subsistir o entendimento de que esse instituto esteja circunscrito ao âmbito de mero poder de polícia do Estado [62].
Se o serviço de praticagem não estivesse contido no alcance do art. 21, XII, f, da Constituição, a delegação estaria de qualquer forma legitimada, porque estabelecida em lei relativamente a matérias compreendidas na competência privativa da União para legislar sobre “regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima...” (art. 22, X) e na competência concorrente para legislar sobre “proteção do meio ambiente e controle da poluição” (art. 24, VI).
A União, assim como as demais entidades federativas -- Estados e Municípios --, no âmbito e nos limites das respectivas competências, estabelecidas no Texto Fundamental, sempre mediante lei, podem instituir os serviços públicos relativos às suas atividades.
A enumeração constitucional de serviços públicos específicos de competência da União, dos Estados e dos Municípios, com efeito, não compreende todas as matérias de competência de cada uma dessas pessoas políticas, de maneira que não encerra o rol dos serviços públicos que cada qual pode instituir [63].
Anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que "é o Estado, por meio da lei, que escolhe quais atividades que, em determinado momento, são consideradas serviços públicos". Por isso mesmo, a exigência de lei integra o próprio conceito de serviço público, que, segundo a autora será “(…) toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público"[64].
Após assinalar que serviço público será aquele que resultar da repartição de competências previstas constitucionalmente, completa Dinorá Adelaide Musetti Grotti:"(...) Só o serão as atividades que estiverem definidas na Constituição Federal l -- ou na própria lei ordinária, desde que editada em consonância com as diretrizes ali estabelecidas -- decorrendo, portanto, de uma decisão política. (...) a competência para a prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências prevista na Lei Maior r"[65].
A criação de serviços públicos está circunscrita ao domínio material de competência legislativa da União, dos Estados e dos Municípios. Todos dispõem de autonomia e, portanto, de capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração ( CF/88, art. 18).
E, por outro lado, salvo a hipótese de vedação constitucional, a delegação da gestão é elemento indissociável da concepção de serviço público. O Texto Fundamental, por isso mesmo, ao tratar dos serviços públicos, cuida de definir as hipóteses de delegação de sua execução às entidades ou pessoas privadas.
Bem observa Bernardo Strobel Guimarães que," (...) historicamente, a delegabilidade integra o próprio conceito de serviço público, pois ela constitui uma das maneiras pelas quais se pode cogitar de sua concretização ". E completa:" (...) a possibilidade de transferência dos serviços públicos é acolhida pelo ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, é da nossa tradição admitir que atividades descritas como serviços públicos possam ser delegadas à iniciativa privada, que as explorará segundo uma lógica que integra os pressupostos inerentes à natureza pública da atividade com as exigências da atuação privada, que reclama um mínimo de autonomia"[66].
" Delegação "é expressão genérica que compreende todas as hipóteses de atribuição da execução de serviço público ao setor privado. Se a delegação, excepcionalmente, não puder ser implementada por via contratual, poderá ser estabelecida diretamente pela lei, porque a transferência da execução das atividades correspondentes ao setor privado constitui, por definição, delegação do exercício de serviço público. Dessa forma, a ausência de referência expressa à palavra" delegação ", para designar a atribuição legal da execução de um serviço público ao setor privado, diversamente do que se alega no trabalho de 2015/2017, não desnatura a efetiva caracterização desse instituto jurídico, porque essa qualificação é indissociável de sua conceituação.
7 - Conclusões
Em artigo publicado em 2014, sustentamos que o regime jurídico pertinente ao serviço de praticagem, fixado na Lei nº 9.537/97, leva a concluir que reúne todos os elementos característicos de um serviço público de titularidade da União, cuja gestão foi delegada aos Práticos,.
Em julgados recentes, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, acolhendo os fundamentos deduzidos nos respectivos recursos especiais, proclamou a ilegalidade do Decreto 7.860/2012, que fixou preços máximos do serviço de praticagem, por entender que extrapolou os limites da Lei 9.537/97. As decisões da Corte no sentido da ilegalidade de ato normativo, são finais e definitivas, insuscetíveis de reexame em qualquer via recursal.
Entretanto, o voto do Ministro Relator nos respectivos precedentes, fez digressão em matéria constitucional, concluindo que"o serviço de praticagem está submetido aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e que a"própria letra"dos arts. 12, 13, 14 e 15 da Lei nº 9.537/1997 denota que se trata de serviço de natureza privada".
As considerações sobre matéria constitucional constantes do voto do Relator, porém, não se comportam no alcance dos recursos especiais interpostos e, sob o aspecto material, são discrepantes das normas da Constituição Federal e da Lei 9.537/97 em torno da matéria.
Quanto à extrapolação dos limites do recurso especial, note-se que a coisa julgada emergente dos acórdãos em referência do Superior Tribunal de Justiça restringe-se à declaração de ilegalidade do Decreto regulamentar, não se estendendo à questão constitucional, razão pela qual não se sujeita à jurisdição constitucional no controle difuso. O acréscimo relativo à matéria constitucional, que não foi nem poderia ser objeto dos recursos especiais, não constitui fundamento autônomo dos julgados, nem mesmo pode ser invocado como precedente ou decisão divergente na matéria.
A posição do Relator exposta nessas decisões, por outro lado, é inédita, constitui nova versão quanto à juridicidade dos dispositivos legais relativos à matéria. Nas controvérsias anteriores, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência foram suscitados pelas partes interessadas, junto às instâncias ordinárias, para afastar a incidência das regras legais, concernentes ao regime jurídico do serviço de praticagem, sob fundamento de inconstitucionalidade, ao passo que, nesses novos precedentes, as mesmas normas da Lei 9.537/97 foram invocadas por S. Exa. para sustentar que são elas compatíveis com os aludidos princípios constitucionais e demonstram a"natureza privada do serviço de praticagem".
No passado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, chegou a decidir que o art. 14, par. único, I, da Lei nº 9.537/97, somente teria autorizado a autoridade marítima a fixar um número mínimo de Práticos para cada Zona de Praticagem, porque essa seria a interpretação que tornaria a regra compatível com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.
A mesma Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, porém, no julgamento do REsp 752.175-RJ, de que foi Relatora a Ministra Eliana Calmon, reformou a aludida decisão, sob o fundamento de que o citado preceito legal só autoriza exegese no sentido de que se refere a um limite máximo de Práticos; destacou ainda que as normas do citado diploma legal estabelecem rígido regime de controle pelo Estado das atividades de praticagem, inclusive, em especial, no tocante ao processo seletivo dos Práticos, para salvaguardar a vida humana, a segurança da navegação e a preservação do meio ambiente.
A partir de então, os órgãos judiciários federais de primeiro e segundo graus decidiram as controvérsias fundados unicamente na exegese das próprias regras da Lei 9.537/97. Não examinaram questão sobre a legitimidade constitucional das normas impugnadas desse diploma legal, à luz dos citados princípios constitucionais. E, sintomaticamente, as partes interessadas jamais se valeram dos embargos de declaração para acusar omissão e para provocar o prequestionamento de matéria constitucional, que, inclusive, daria ensejo à interposição de recurso extraordinário das respectivas decisões perante o Supremo Tribunal Federal.
Se esses princípios constitucionais tivessem incidência no serviço de praticagem, os juízes e Tribunais deveriam necessariamente decidir a questão constitucional, desde que suscitada pelas partes interessadas. Não foi o que ocorreu. Em realidade, esses precedentes estão a demonstrar que a matéria era e é de não incidência e não de constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas legais pertinentes.
Disso tudo se infere que a posição enunciada no voto do Ministro Relator dos acórdãos nos novos precedentes é discrepante do entendimento até então firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais do País, em precedentes que reconheceram, explícita ou implicitamente, a validade e a eficácia das normas relativas ao serviço de praticagem constantes da Lei 9.537/97, excluindo a incidência dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência nas atividades correspondentes.
As normas da Lei 9.537/97, relativas à praticagem, em realidade, deixam evidenciado os elementos característicos de um serviço público. O rígido regime de direito público das atividades de praticagem (arts. 12 a 15) constitui o elemento formal na caracterização do serviço público, voltado que está a garantir a segurança da navegação, em tutela de bens e direitos constitucionais, isto é, em salvaguarda de direitos e bens fundamentais da coletividade (Lei 9.537/97, art. 3º), deixando evidenciado o elemento material ou objetivo do serviço público de praticagem. E, por último, as expressões literais do art. 13 da Lei 9.537/97, segundo o qual"o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados ...", tornam explícito o elemento subjetivo na caracterização do serviço público de praticagem, proclamando que a execução, ou seja, a gestão do serviço foi delegada aos Práticos, mantida a titularidade do Poder Público federal.
Acrescente-se que o complexo de normas da Lei 9.537/97, relativas ao serviço de praticagem, corresponde às recomendações da Organização Marítima Internacional, órgão da ONU, de obrigatória observância no Brasil (art. 36 da mesma Lei). Os países componentes dessa Organização, em sua grande maioria, adotam organização similar à do Brasil, sendo certo que a legislação de cada um deles, a doutrina e a jurisprudência das respectivas Cortes Constitucionais proclamam a natureza pública do serviço de praticagem (entre os quais, França, Itália, Espanha, Portugal e Argentina). Na Bélgica, Grécia e nos países escandinavos, o serviço de pilotagem é exercido diretamente pelo Estado, através de funcionários ou empregados públicos.
Por outro lado, em trabalho posterior, de 2015, convertido em livro em 2017, que apresenta grande similaridade com nosso artigo originário de 2014, considerou a autoria, de pronto, na mesma linha de nosso trabalho inaugural, que a praticagem não comporta enquadramento como serviço de natureza privada.
Encaminhou-se também no sentido de proceder ao exame do serviço de praticagem como serviço público, em face dos seus três elementos característicos, sustentando que o elemento material ou objetivo e o formal levariam à definição do serviço de praticagem como serviço público. Negou-se, porém, a reconhecer caracterizada a natureza pública do serviço de praticagem, por entender que não se configura o elemento subjetivo, argumentando que a atribuição do serviço de praticagem aos Práticos não corresponde às formas de delegação previstas na Constituição, isto é, à autorização, à concessão e à permissão.
Serve-se ainda a autoria de argumento subsidiário, ao considerar que o serviço de praticagem poderia ser configurado como serviço público, mas a lei deixou de fazer expressa referência ao vocábulo"delegação", a permitir essa qualificação.
Clara, d.v., a improcedência dessas razões. Em primeiro lugar, o reconhecimento da coexistência dos elementos material e formal no serviço de praticagem já seria bastante para a efetiva caracterização de um serviço público. Se há um serviço em funcionamento, caracterizado como serviço público à luz do critério material ou objetivo e do formal, o questionamento em torno da legitimidade constitucional da atribuição legal de sua gestão à atividade privada pode ter pertinência no plano da validade de normas concernentes à delegação, atingindo a forma de sua execução, mas em nada altera a titularidade do serviço.
Seja como for, é irrecusável a presença do elemento subjetivo no serviço público de praticagem. A Constituição Federal, no art. 22, X, atribui à União competência privativa para legislar sobre “regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima...”, e, no art. 21, XII, alínea f , atribui competência à União para"explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão"(...)"os portos marítimos, fluviais e lacustres".
A atribuição do serviço de praticagem aos Práticos, em nosso entender, estabelecida diretamente em lei, configura autorização, modalidade autônoma de delegação de serviço público, expressamente contemplada no citado art. 21, XII, alínea f , da Constituição, ao lado da concessão e da permissão, que são as vias contratuais de delegação de serviço público, compreendidas no contexto do art. 175 da Lei Maior.
Não mais é possível restringir a autorização a mero instrumento de exercício do poder de policia do Estado, como sustenta parte da doutrina. Embora de aplicação restrita, em razão da prevalência constitucional do art. 175 da Constituição, não se pode deixar de reconhecer a autorização como espécie autônoma de delegação de serviço público, diante da literalidade e clareza do inciso XII do art. 21 da Constituição. Os serviços especificados nas diversas alíneas desse dispositivo constitucional, sem exceção, configuram serviços públicos.
A delegação da gestão do serviço de praticagem aos Práticos, assim, é validamente justificada com fundamento no art. 21, XII, , f , da Constituição, que se estende à"autorização", prevista no caput do dispositivo. Trata-se, portanto, de serviço público por definição constitucional.
Acrescente-se que se o serviço de praticagem estivesse fora do alcance desse preceito constitucional, a atribuição da execução do serviço de praticagem aos Práticos, expressamente conferida na Lei 9.537/97, estaria de qualquer forma legitimada porque a União, assim como as demais entidades federativas -- Estados e Municípios --, no âmbito e nos limites das respectivas competências, definidas no Texto Fundamental, sempre mediante lei, podem instituir os serviços públicos relativos às suas atividades.
A enumeração constitucional de certos serviços públicos específicos de competência da União, dos Estados e dos Municípios, com efeito, tem estrita abrangência, não exaurindo as matérias de competência de cada uma dessas pessoas políticas, de maneira que não encerra o rol dos serviços de natureza pública que elas podem instituir.
Como assinala a doutrina,"a competência para a prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências prevista na Lei Maior"e"é o Estado, por meio da lei, que escolhe quais atividades que, em determinado momento, são consideradas serviços públicos". Por outro lado, salvo a hipótese de vedação constitucional, a delegação da gestão é elemento indissociável da concepção de serviço público.
" Delegação "é expressão genérica que compreende todas as formas de atribuição da execução de serviço público ao setor privado. Se a delegação, excepcionalmente, não puder ser implementada por via contratual, poderá ser estabelecida diretamente pela lei, porque a transferência da execução das atividades correspondentes ao setor privado constitui, por definição, delegação de serviço público.
[1] Ver Decreto nº 40.704, de 31.12.1956, que aprovou o Regulamento Geral dos Serviços de praticagem. Nos termos do art. 12 desse Decreto,"as Corporações de Práticos são subordinadas, técnica e administrativamente, às respectivas Capitanias dos Portos".
[2] O TRF da 2ª Região registra precedentes mais remotos no sentido de que o serviço de praticagem teria natureza privada, submetido, por isso, à regra que garante a liberdade de exercício profissional e ao princípio da livre iniciativa (Constituição, arts. 5º, XIII, e 170, caput) (v.g., AMS nº 49.503-RJ, Processo 2002.51.01.010664-4, Relator Desembargador Francisco Pizzolante, DJU de 20/11/2003; e AC 34.221/RJ, Processo nº 2001.51.01.012186-0, Relator Juiz Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJU de 08/09/2006, fls. 240).. Entretanto, como se voltará a falar adiante, não se reafirmou essa orientação, seja no Tribunal Regional Federal, seja no Superior Tribunal de Justiça.
[3] SILVEIRA, Raquel Dias da. “O repensar da noção de serviço público”. Direito Público Moderno: Homenagem ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2003, p. 109.
[4] Dispõe o art. 5º, caput, da CF/88: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes ..."
O art. 225 da CF/88 tem a seguinte redação:"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações"
[5] O caráter essencial da atividade é definido no art. 14 Lei 9.537/97. Serviços públicos essenciais, na lição de Ruy Cirne Lima, são os serviços existenciais e indispensáveis" à realização e ao desenvolvimento da interdependência social "." Serviço público "- conceitua o autor -" é todo serviço existencial, relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, por isso mesmo, tem que ser prestado pelos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou por outra pessoa administrativa (...) " (referência constante do voto do Ministro Nelson Jobim, Relator para o acórdão, no RE nº 220.999-7, DJ de 24/11/2000).
[6] Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 727-728.
[7] Dispõe o art. 17 da LC nº 97, de 1999:"Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares": (...) II – prover a segurança da navegação aquaviária". O parágrafo único do mesmo artigo prescreve: "Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como “Autoridade Marítima” para esse fim".
[8] Natureza e Regime jurídico do serviço de praticagem. Disponível em https://moacirms.jusbrasil.com.br › artigos › natureza e ... Acesso em 10/02/2021
[9] Nos termos do item 0218 da Normam 12, a recusa não pode ser admitida mesmo em caso de divergência com a empresa de navegação ou com seu representante, sem prejuízo de seu questionamento junto às instâncias competentes.
[10] Lei 9.357/97, art. 13, § 2º, e item 0225 da Normam 12/2000.
[11] Normam 12/2000, item 0216.
[12] O Decreto 7.860, de 6/12/2012, revogou o art. 6º e seus incisos do Decreto 2.596, de 1998, mas, como se verá adiante, O Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, concluiu pela ilegalidade daquele Decreto, por entender que extrapolou os limites da Lei 9.537, de 1997.
[13] Couto e Silva, Almiro do. “Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares: serviço público à brasileira”. São Paulo:RDA nº 230, out./dez 2002, p. 45.
[14] No regime do Decreto nº 119, de 1961, os Práticos podiam exercer sua profissão individualmente ou reunidos em associação (art. 10). Onde não houvesse associação, os Práticos deviam reunir-se em comissão (art. 10, § 2º).
[15] Dispõem os arts. 13, § 3º e 14, par. único, II, da Lei 9.537/97:
Art. 13. O serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas.
(...)
§ 3º É assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste artigo, o livre exercício do serviço de praticagem.
Art. 14. O serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas.
Parágrafo único. Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá:
II - fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem.
[16] Recurso Especial nº 1.662.196-RJ, Relator Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 05/12/2017, DJe de 25/09/2017 e RSTJ vol. 248 p. 211. Seguiram-se outros julgados no mesmo sentido: v.g., REsp 1.696.081-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 25/06/2019 e publicado no DJe de 28/06/2019; AgInt no AREsp 1.408.939/RJ, Relatora Ministra Assusete Magalhães, julgado em 21/05/2019 e publicado no DjJ de 28-05/2019; AgInt no AREsp
1.701.900-RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Og Fernandes, julgado em 21/06/2018 e publicado no DJe de 26/06/2018, e na RSTJ vol. 251 p. 291, dentre outros.
[17] O Ministro Relator assim traduziu essa posição nas ementas dos acórdãos:
"3. Denota-se, da própria letra dos arts. 12, 13, 14, e 15 da Lei n. 9.537/1997, que se trata de serviço de natureza privada, confiada a particular que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação, e entregue à livre iniciativa e concorrência".
[18] Este o ter da Súmula 636 : "Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida".
[19] Precedentes do STF: ADIns 536-DF, 589-DF e 311-DF, Velloso, RTJ 137/580, 137/1100 e 133/69; ADIn 708-DF, Moreira Alves, RTJ 142/718; ADIn 392-DF, Marco Aurélio, RTJ 137/75; ADIn 1347-DF, Celso de Mello, "DJ" de 01.12.95.
[20] Assinala a respeito Humberto Theodoro Júnior: "(...) a correlação que se tem de fazer é entre o objeto do processo e o pronunciamento que a sentença efetuou para solucioná-lo. Dentro do processo uma situação jurídica litigiosa reclamou o acertamento judicial, de maneira que é esse acertamento que, em nome da segurança jurídica, se sujeitará à força ou autoridade da res iudicata" (A coisa julgada e seus limites, segundo o CPC/2015. Disponível em genjuridico.com.br › Áreas de Interesse › Processo Civil. Acesso em 12/02/2021.
[21] v.g., AMS nº 49.503-RJ, Processo 2002.51.01.010664-4, Relator Desembargador Francisco Pizzolante, DJU de 20/11/2003; e AC 34.221/RJ, Processo nº 2001.51.01.012186-0,20 Relator Juiz Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJU de 08/09/2006, fls. 240. Ver nota de rodapé n. 2.
[22] REsp 752.175-RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU d 22/08/2005, p.257.
[23] STJ: Suspensão de Segurança nº 2.316-PA. Decisão do Presidente Cesar Asfor Rocha. Disponível em stj.jusbrasil.com.br › jurisprudencia › suspensao-de-seg... Acesso em 20/10/2020. A tutela recursal havia sido deferida pelo Desembargador Relator do TRF1 em Agravo de Instrumento, permitindo que a empresa impetrante, nas pessoas dos Práticos que a compunham, contratasse diretamente o serviço de práticos com os tomadores de serviço, não se submetendo à escala de serviço aprovada pela autoridade coatora (...). A decisão na cautelar reconheceu à empresa requerente o direito de não se submeter às ordens da Autoridade Marítima Máxima dos Portos da Amazônia Oriental, a quem cabe, nos termos do art. 3º da Lei 9.573/97, assegurar a promoção da salvaguarda da vida humana e da segurança da navegação e a poluição ambiental. Sustentou a requerente que a escala única de rodízio é o modelo adotado em diversos países e principais portos do mundo, o que o consolida como paradigma universal de organização do serviço de praticagem. E acrescentou:
"Com efeito, este não é um assunto de 'livre iniciativa', mas de exercício de função pública regulamentado pelo Estado e sujeito ao seu controle e intervenção, por razões de ordem pública já citadas.
Desse modo, não se pode compreender, como quer a agravante, essa atividade como submetida a regras de mercado e sujeita somente ao equilíbrio entre demanda e oferta, em uma concepção que é apenas liberal e, além disto, despreocupada com os preceitos e interesses do Estado, ou seja, com os objetivos da função pública que esse serviço persegue. Assim, não é à toa que esse serviço está regulado não apenas no Brasil, como também na maioria das mais importantes economias mundiais, tais como as dos Estados Unidos da América e dos países da União Européia.
[24] Assim, por exemplo, no julgamento do Agravo de Instrumento 239.234, em 22/05/2014, na mesma linha da argumentação deduzida em nosso artigo de abril de 2014, decidiu o TRF da 2ª Região que o processo seletivo de Praticante de Prático é da competência da Marinha do Brasil, que deve observância aos princípios da Administração Pública, enumerados no art. 37, caput, da Constituição Federal (Sétima Turma Especializada, Relator Desembargador Luiz Paulo da Silva Araujo Filho). A Sexta Turma Especializada do mesmo TRF2 , em julgamento realizado em 07/05/2016, Relatora a Desembargadora Nizete Lobato Carmo, decidiu que o processo seletivo de Praticante de Pratico deve observância aos princípios estabelecidos no art. 37, caput, da Constituição. Ver também: Praticagem é serviço público. Conteúdo jurisprudencial e doutrinário sobre a praticagem no Brasil, Paiol da Praticagem,) edições de 07/09/2015 e de 17/09/2016. Disponível em servicopublicodepraticagem.blogspot.com ›. Acesso em 20.10.2020.
[25] Anota Celso Antonio Bandeira de Mello que as atividades concernentes aos serviços públicos, salvo a saúde e a educação, estão excluídas da âmbito privado, completando: “Ditas atividades, portanto, salvo algumas exceções ao diante referidas (...), estão excluídas da esfera do comércio privado. “De conseguinte, as atividades em questão não pertencem à esfera da livre iniciativa, sendo estranhas, então, ao campo de exploração da atividade econômica (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 8ª ed., p. 408).
Identicamente, observa Alexandre Aragão: “São atividades que, por sua íntima relação com a dignidade da pessoa humana e com a coesão social, são excluídas do livre mercado, passando a ser asseguradas pelo Estado, direta ou indiretamente através de delegatários.” (Aragão, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, ob. Cit., p. 259).
[26] No sistema difuso de constitucionalidade, com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, assim como os Tribunais e juízes de todo o País, segundo a pacífica orientação da jurisprudência e da doutrina, quando necessário, podem e devem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, incidentemente, mesmo de ofício ( CF/88, art. 97). Ver Arguição de Inconstitucionalidade no REsp nº 12.005/RS, Relator Ministro Pádua Ribeiro (DJU de 10.5.1993); Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 145.589-7/RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence Tribunal Pleno, julgado em 02/09/1993, DJU de 24.6.1994). Assinala Pontes de Miranda que o juiz não tem o arbítrio de deixar de lado questão de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, suscitadas pelas partes, de sorte que se o juiz deixa de manifestar-se a respeito"é porque os reputou constitucionais"(Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, t. 6, p. 55-56).
[27] A grande maioria dos acidentes marítimos ocorre em locais perigosos compreendidos nas zonas de praticagem ou em operações de rotina nas proximidades portuárias. Trata-se, assim, de serviço de grande relevância, porque a segurança da navegação é estabelecida em tutela de bens e direitos constitucionais, entre os quais a vida humana, o patrimônio público e privado, o comércio interno e externo do País e o meio ambiente.
[28] Dispõe o art. 3º da Lei 9.537/97:"Cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio".
[29] Medauar, Odete. Serviços Públicos e Serviços de Interesse Econômico Geral. In Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: obra em homenagem a Eduardo García de Enterria. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.125.
[30] Moreira, Egon Bockmann. O Direito Administrativo da Economia, a Ponderação de Interesses e o Paradigma da Intervenção Sensata”. In Estudos de Direito Econômico (Cuéllar, Leila e Moreira, Egon Bockmann)(Belo Horizonte: Ed. Forum,, 2004, p. 93).
[31] Justen Filho, Marçal. Curso de Direikto Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.478, e Bandeira de Mello, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 659.
[32] Natureza e regime jurídico do serviço de praticagem, cit., vide rodapé anterior Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/busca?q=Praticagem. Acesso em 10/08/2020.
[33] Recomenda a Resolução nº A-960, no Anexo 1, que a autoridade competente de praticagem “estabeleça os requisitos para admissão e elabore as normas para a obtenção do certificado ou da licença para desempenhar os serviços de praticagem na área sob sua jurisdição” (item 2, subitem 2.3.1); que o certificado ou licença de Prático “indique a área de praticagem para a qual é emitido” (item 3): que o treinamento inclua uma experiência prática, adquirida sob a rigorosa supervisão de Práticos experientes e que seja suplementada através de simuladores, operados por computadores ou tripulados, de instrução em sala de aula ou de outros métodos de treinamento (item 5.2); que, para assegurar a proficiência prolongada dos Práticos e para atualizar o seu conhecimento, a autoridade competente de praticagem, a intervalos não superiores a cinco anos, certifique que todos os Práticos sob sua jurisdição continuam a possuir os conhecimentos recentes sobre navegação na área local (subitem 6.1.1); e que “quando, em casos de ausência do trabalho, por qualquer motivo, estiver faltando a um Prático experiência recente na área de praticagem, a autoridade competente da praticagem deverá certificar que o Prático readquiriu a familiaridade com a área, quando do seu retorno ao trabalho” (item 6.3).
[34] Resolução nº A-159. Disponível em http://www.impahq.org/imo_pilotage.cfm. Acesso em 15 out. 2020.
[35] BRAGA, Marcelo Franco da Silva. “O Serviço de Praticagem no Brasil: Natureza, Regulamentação e Responsabilização”. Monografia apresentada à UF/BA, 2005, inédita.
[36] No sistema francês, a pilotagem é organizada por lei específica de 24.12.1929 e dois decretos, um de 24.12.1929, modificado em 1995, e outro de 19.05.1969, revisado em 1986 e modificado em 2000. As 32 estações de pilotagem francesas funcionam sob a tutela do Prefeito de cada Região. Cabe ao Ministro dos Transportes a regulamentação geral aplicável a todas as estações de pilotagem. O Estado fixa as obrigações e as regras de funcionamento do serviço público de pilotagem e estabelece que os pilotos devem organizar-se formando cooperativa. O número de pilotos (práticos) de cada estação de pilotagem é fixado pelo Prefeito de cada Região, o recrutamento dos pilotos entre os oficiais da Marinha Mercante para as vagas é feito mediante concurso promovido pela administração de assuntos marítimos, ao qual podem concorrer candidatos com a idade mínima de 30 anos e máxima de 35 anos, limites estes estabelecidos tendo em conta o período relativamente longo da aprendizagem. O serviço deve ser contínuo, dia e noite, sem interrupção e as tarifas são fixadas pelo Prefeito de cada Região, segundo critérios objetivos (Le Pilotage – Tout Savoir sur le Pilotage, http: www.pilotes-maritime.sr/pilotes, Acesso em 10 de outubro de 2012, e “Le Pilotage Maritime et le Projet de Directive sur L’accès au Marché des Services Portuaires”, op. cit. ( www.afcan.org/dossiers_reglementation/pilotage.html)
[37] O serviço de pilotagem na Itália é disciplinado no Código de Navegação (arts. 86 a 96) e, mais detalhadamente no Regulamento de Navegação Marítima (arts. 98 a 139). O recrutamento dos pilotos é feito mediante concurso elaborado pela Capitania dos Portos e os aprovados e classificados são nomeados “Pilotos Aspirantes”, pela mesma autoridade. Transcorrido o período de treinamento, são submetidos a prova prática e, se aprovados, são nomeados “Pilotos Efetivos”. O serviço prestado pelos pilotos não tem caráter de relação de trabalho subordinado. Cabe à autoridade marítima a supervisão criteriosa e o controle operativo e técnico-contábil da corporação. Estão submetidos ao poder disciplinar da autoridade marítima, com possibilidade de suspensão do serviço e de cancelamento da habilitação. Os serviços devem ser prestados em caráter contínuo e obrigatório e devem desenvolver-se de acordo com os regulamentos estabelecidos pelas autoridades marinhas locais (Leopoldo Tullio, “Pilotaggio” in Enciclopedia del Diritto, Giuffrè Editore, volume XXXIII, pp. 861ª 867).
[38] O serviço de praticagem espanhol é disciplinado na Lei de 24.11.1992 e no Regulamento Geral de Praticagem de 1º/03/1996.
[39] Ao Instituto Marítimo Portuário cabe emitir, suspender e cancelar os certificados de pilotos. Os candidatos selecionados em concurso são admitidos em regime de estágio por um período de seis a nove meses. Os pilotos dos portos são oficiais náuticos da marinha mercante devidamente certificados, com validade pelo período de cinco anos, renovável por igual período. " O serviço de manobra de navios no porto é, de maneira explicita, considerado serviço público "Assinala a Associação Portuguesa de Pilotagem a respeito:"A Pilotagem dos Portos não é só mais uma actividade dos mesmos; é uma actividade que pugna pela segurança da navegação marítimo-fluvial, pela salvaguarda da vida humana e de bens, assim como pela protecção ambiental; razões mais do que suficientes para que seja concebido como um serviço público".
[40] O Projeto “Diretiva sobre o Acesso ao Mercado dos Serviços Portuários”, transmitido pela Comissão Européia ao Conselho e ao Parlamento em 13.02.2001, continha proposição tendente a submeter o serviço de praticagem ao regime de mercado, de livre concorrência. O Projeto foi combatido no 35º Congresso da Associação Européia de Pilotos (EMPA), realizado em Paris, em maio de 2001, posição essa confirmada no Congresso do IMPA, realizado em Hamburgo, em julho de 2002 (cf., Le Pilotage Maritime et leProjet de “Directive sur L’Accès au Marche dês Services Portuaires”, in www.afcan.org/dossiers_reglementation/pilotage.html e “Mise à jour - Du Service Public a la Prestation de Se”).
[41] Natureza e regime jurídico do serviço de praticagem. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/busca?q=Praticagem. Acesso em 10/08/2020. Aí se refere que o artigo fora publicado há sete anos atrás e que registrava 2.472 visualizações Ver também: 1) https://moacirms.jusbrasil.com.br/artigos/116619841/naturezaeregime-jurídico-do-servico-de-pratica...; 2) Praticagem é serviço público. Conteúdo jurisprudencial e doutrinário sobre a praticagem no Brasil. Disponível em servicopublicodepraticagem.blogspot.com › 2015/10. Acesso em 18.102020. Postado em 17 de fevereiro de 2015.
[42] Jankovski, Rafael. Natureza e regime jurídico do serviço de praticagem portuária. Curitiba: Edidora Ithala, 2017.
Entre 05/01/2015 e 14/03/2017, o blog Paiol da Praticagem publicou na Internet sucessivas manifestações doutrinárias e jurisprudenciais sob o título" Praticagem é serviço público, Conteúdo jurisprudencial e doutrinário sobre a praticagem no Brasil ", fazendo remissão e referência ao artigo publicado em abril de 2014, nos seguintes termos:"Neste momento iremos apresentar uma série de documentos históricos, os quais elucidam qualquer dúvida sobre a natureza do serviço de praticagem. Em verdade, iremos realizar uma pequena expansão do conteúdo documental apresentado pelo brilhante Mestre Dr. Moacir Machado, em seu artigo "Natureza e Regime Jurídico do serviço de praticagem".
Há assim equívoco na afirmação constante do livro, editado em 2017, de que se trata de "trabalho pioneiro", ao argumento de que a matéria, segundo pesquisa da bibliografia sobre o assunto, jamais fora abordada anteriormente.
Na edição do Blog de 27/03/2015, o autor da dissertação de 2015 e do livro de 2017 assinalou expressamente:: "Este é justamente o tema de monografia que defenderei no segundo semestre deste ano, para conclusão do curso de bacharelado em direito pela UFPR" ... "ufprrafael@gmail.com" ( https://servicopublicodepraticagem.blogspot.com/2015/02).
Causou-nos surpresa essa mensagem porque o tema, por sua complexidade, poderia ser mais propriamente tratado em dissertação de mestrado ou em tese de doutorado, em vez de em monografia de bacharelado. Nada obstante, embora discordemos da posição assumida nesse trabalho de 2015/2017, principalmente em razão do equívoco em que incorreu na parte essencial quanto à presença de todos os elementos que caracterizam o serviço de praticagem como um serviço público, é fora de dúvida que a autoria revela domínio sobre alguns temas complexos de Direito Administrativo.
[43] Reconhece a autoria do livro editado em 2017 que "a conjunção das regras que definem o elemento formal do serviço de praticagem impede a"implementação de um mercado concorrencial"(ob. cit., p. 161). Acrescenta, em outra passagem, que essa formação" inviabiliza a sujeição das atividades de praticagem às "regras de mercado" e afasta suposição tendente à "submissão das atividades ao regime jurídico de direito privado" (ob. cit., p. 163 e 169). Refutando a possibilidade de considerar o serviço de praticagem como atividade econômica em sentido estrito, refere a autoria "que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, profissão regulamentada cujo acesso seja restrito a um número de vagas precisamente determinado pelo poder público, nem sujeito a regime de escala e nem mesmo de processo seletivo e programa de manutenção de habilitação tão rigoroso. Além disso (...), o regime jurídico ao qual o Estado submete o exercício da praticagem é incompatível com a noção de iniciativa privada (...)" (ob. cit., p. 182-183).
[44] Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 728.
[45] Dispõem o art. 236, caput, e seu § 3º da Constituição: “Art. 236 – Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (...) § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
[46] Reprodução de trecho de nosso trabalho intitulado "Natureza e regime jurídico do serviço de praticagem". Disponível em https://moacirms.jusbrasil.com.br/artigos/116619841/naturezaeregime-jurídico-do-servico-de-pratica.... Acesso em 12/02/2021.
[47] ADI 2.415-SP, Relator Ministro AYRES BRITTO, Plenário, DJE de 9-2-20. Cumpre destacar, a propósito, os seguintes trechos da ementa do acórdão, concernentes ao regime jurídico desses serviços:
”1. REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO.
I – Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos.
II – A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais.
III – A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público.
IV – Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público”.
(...)
XIV Certo é, contudo, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem os serviços notariais e de registro como espécie de serviço público. Atividade estatal, sim; porém da modalidade serviço público. Em desabono, portanto, da qualificação jurídica aqui empreendida".
[48] Salientou, a respeito, o Ministro Eros Grau, homenageando o Prof. Geraldo Ataliba:
"O princípio republicano -- e nada me deixa mais feliz do que falar no Geraldo Ataliba a quem, mais de uma vez, referi aqui como guia que faz muita falta; haveria muito mais harmonia entre os homens, sobretudo entre os homens do Direito, se o Ataliba não houvesse partido -- "o princípio republicano é atendido quando se faz, não concurso público, mas seleção para a delegação de atividade. Porque não se trata , aí, de concurso público".
[49] Tácito, Caio. A configuração jurídica do serviço público. Rio de Janeiro: RDA 233:373-376, jul/set. 2003, p. 375.
[50] Tácito, Caio, ob. cit. p. 376.
[51] "Artigo 5º - Compete à União: XV - legislar sobre: i) regime dos portos e da navegação de cabotagem".
[52] Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1974, Tomo II, p. 133
[53] Portos - TCU 4.4.3 Serviços prestados ao navio e à carga. 231. 31. São os serviços de entrada e saída no porto e atracação no berço. Esses incluem praticagem, reboque, uso do canal, apoio a navegação Disponível em https://portal.tcu.gov.br › portal › file › fileDownload. Acesso em 15/02/2021.
[54] Dispõe o art. 17 da LC nº 97, de 1999: "Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares": (...) II – prover a segurança da navegação aquaviária". O parágrafo único do mesmo artigo prescreve:" Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como “Autoridade Marítima” para esse fim "
[55] CF 1946:"Art. 5º - Compete à União: (...) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas que liguem portos marítimos e fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado".
[56] CF 1967/69:"Art. 8º - Compete à União: (...) XV - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os serviços de telecomunicações; b) os serviços e instalações de energia elétrica de qualquer origem ou natureza; c) a navegação aérea; e d) as vias de transporte entre portos marítimos e fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Território".
[57] A jurisprudência do STF na exegese do art. 21, XII, da Constituição está orientada no sentido de que os serviços especificados nas alíneas desse inciso configuram serviços públicos.
Cumpre esclarecer que, no julgamento do RE 220.999-7, que tratava do serviço compreendido na alínea d desse dispositivo constitucional, o Ministro Nelson Jobim, Relator para o acórdão, entendeu que o transporte fluvial não é dos serviços que integram os"fins do Estado", referindo, a propósito, lições doutrinárias no sentido de que serviço público é toda atividade indispensável à consecução da coesão social, argumento que excluiria o aludido serviço do conceito de serviço público, como chegamos a considerar no trabalho ora objeto de revisão.
Observa-se, porém, que S. Exa. argumentou ainda que o art. 21, XII, d, da Constituição Federal,"não obriga a União à exploração do serviço", acrescentando:"A norma constitucional é de distribuição de competência federativa";"não é regra que crie dever ou obrigação". Esse fundamento foi repetido na ementa do acórdão: "Não há como extrair da Constituição a obrigação da União de oferecer transporte fluvial às empresas situadas à margem dos rios. A suspensão da atividade não se constitui em ofensa a dever ou direito. Recurso extraordinário conhecido e provido"(RE 220.999-7, DJ de 24/11/2000).
Vê-se, portanto, que o julgado está igualmente assentado em outros fundamentos suficientes. Em realidade, a definição dos trajetos em que o serviço público de transporte entre portos marítimos e fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Território deva ser implementado constitui matéria submetida à competência discricionária da União. A norma constitucional não obriga a União a prestar o serviço de transporte ferroviário ou aquaviário diretamente, ou por via de autorização, concessão ou permissão, em qualquer trecho que seja de interesse da atividade privada. O art. 21, inciso XII, da Constituição não é apenas regra de distribuição de competência federativa, porque é ela categórica ao definir as atividades descritas como serviço público da União e ainda determina a forma de sua exploração, isto é, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão.
O art. 21, XII, d, da Constituição, não pode ser validamente interpretado no sentido de que exclui essa modalidade de transporte do conceito de serviço público, porque essa exegese estaria em aberto e literal conflito com o art. 21, XII, d, da Constituição, que insere tais atividades como serviço público da titularidade da União. Trata-se verdadeiramente de serviço público por definição constitucional, como todas as demais alíneas do citado preceito constitucional.
[58] Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Boletim de Direito Administrativo - BDA. São Paulo, v. 13, n.2,, p 75-91, fev. 1997.
[59] Couto e Silva, Almiro do. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. In: Revista de Direito Administrativo n. 230. ,São Paulo: Editora Renova, 2002, p. 62. Disponível em bibliotecadigital.fgv.br › index.php › rda › article › view. Acesso em 10/02/20121.
[60] Couto e Silva, Almiro do, ob. cit., p. 71.
[61] Couto e Silva, Almiro do, ob. cit., p. 45.
[62] Assinala, ainda a respeito, Almiro do Couto e Silva (ob. cit. p. 70-71):
"Estas considerações são suficientes para relembrar que se deve começar a interpretar a Constituição a partir da própria Constituição (...) Ocorre que nem todos os conceitos jurídicos são unívocos e aceitos indiscrepantemente na doutrina. Por outro lado, no ponto que nos interessa, parece ter ficado claro que a Constituição nem sempre emprega a palavra "autorização" como ato administrativo discricionário, concessivo de alguma vantagem, geralmente a título precário. Ou, em outras palavras, o conceito constitucional de "autorização" é mais amplo do que o corrente no direito administrativo nacional (...)"
[63] Assim, na perspectiva dos Estados-membros. A única regra específica a respeito de serviços públicos é a constante do art. 25, § 2º, da Constituição, segundo o qual"cabe aos Estados explorar diretamente ou mediante concessão, os serviços de gás canalizado, na forma da lei (...)". Evidentemente, a referência aos serviços de gás canalizado não tem o efeito de reduzir o alcance do poder do Estado de instituir os serviços públicos compreendidos nas matérias que lhes cabe no âmbito da repartição constitucional de competências concernentes às pessoas políticas.
[64] Di Pietro. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p 99. .
[65] Grotti, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo, Malheiros, 2003, p. 105-106.
[66] Guimarães, Bernardo Strobel. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017, p. 33.